Trabalhar com marcas é, antes de tudo, um exercício constante de autorreflexão. Conforme José Roberto Martins, a rotina do campo profissional é por definição contraditória, pois os mesmos recursos que ajudam a promover a imagem são aqueles que podem destruí-la. E o nosso mundo hiperconectado e veloz não costuma poupar as marcas que exageram na exposição, mostram posições condenáveis ou são pegas em situações comprometedoras. É só lembrar os casos de Odebrecht, JBS e Santander Cultural para concluir que a rotina da gestão de marcas é uma tarefa árdua que necessita lidar com situações imprevisíveis e pressões de toda natureza.
Sejamos sinceros: o branding, ou a gestão de marcas, não resolve todos os problemas ou prevê todas as ameaças que povoam as redondezas do universo da marca. Certos eventos atingem tal intensidade e são tão imprevisíveis que mesmo com as melhores ações de redução de danos as consequências podem ser graves, ou mesmo fatais, no médio prazo. Mas então, porque se preocupar em desenvolver uma cultura voltada à marca?
Em primeiro lugar, porque nem o marketing, ou a produção, ou as vendas, ou mesmo a alta gestão da empresa é capaz de resolver sozinha todos os problemas ou blindar a organização de todos os percalços que podem surgir pelo caminho. Pressupor isso é excesso de ingenuidade ou desconhecimento. A empresa é uma entidade complexa e cada vez mais fragmentada, composta de diversas áreas interdependentes que necessitam trabalhar em sintonia para garantir resultados. Não existem “super-heróis” nos organogramas das organizações, e sim setores trabalhando de forma árdua e contínua para garantir resultados. O problema desta configuração é que ela também se compõe de pessoas “hiper especializadas”, ou seja, que conhecem tudo do seu lado da cerca e muito pouco do que o seu vizinho está fazendo. Felizmente, esse cenário vem aos poucos se revertendo, e as empresas mais inovadoras já perceberam que somente através da integração entre pessoas com diferentes competências é possível construir diferenciais competitivos sólidos e uma cultura voltada à geração de valor.
Nesse novo contexto, o que o branding pode fazer (e faz quando bem executado) é proporcionar a “liga” que unifica e dá um sentido a todas as ações da organização. Definir claramente o propósito e a proposta de valor, encontrar uma posição no seu mercado e uma personalidade clara não se tratam somente de exercícios didáticos, mas alinhamentos estratégicos fundamentais que mostram caminhos, evitam desperdícios de tempo e dinheiro e protegem a marca de ações equivocadas que podem manchar a sua reputação. Pois como uma pessoa, uma marca precisa ter uma identidade clara, personalidade definida e “dizer a que veio” para reduzir ao máximo os ruídos na comunicação, equilibrando promessa e entrega e se fazendo relevante para o seu público – sim, porque é preciso assumir que é impossível, e até mesmo indesejável, agradar a todos. Dessa forma, podemos admirar uma marca sem necessariamente nos identificarmos com ela, bastando para isso enxergarmos um posicionamento consistente, um propósito claro e uma imagem definida. Harley-Davidson, IBM e Greenpeace são exemplos de marcas admiradas por muito mais do que uma comunidade de motoqueiros, analistas de sistemas ou ambientalistas, pois seguem atuais e relevantes para a sociedade sem com isso perder de vista sua identidade e seus valores originais.
Portanto, o branding não é tudo, mas pode ser uma luz no labirinto das complexidades, das contradições e dos anseios das marcas, proporcionando uma direção a seguir no caminho complexo e cheio de incertezas do nosso mercado atual. O que não é pouco.