12 de julho de 2020

A necessidade do propósito

Quando me preparava para escrever o TCC da graduação em Design (no longínquo 2003) li o hoje célebre No Logo. A obra, da jornalista canadense Naomi Klein, fazia um retrato do então recente ativismo antimarcas e denunciava as práticas moralmente condenáveis de muitas multinacionais, em especial na China e no sudeste asiático. Fiquei muito impactado pelo livro e lembro de ter questionado qual seria o meu papel como designer na construção de marcas que poderiam no futuro ver-se envolvidas em sérios problemas de conduta.

Essa lembrança veio à tona durante o Papo que Marca com a consultora Daniela Nunes (o link para a live está aqui). Daniela é uma designer experiente, palestrante, consultora e criadora da Purpous Branding, onde trabalha com projetos que “identificam o propósito e o significado do trabalho em cada organização, estimulando inovações que tragam reconhecimento para as marcas e gerem impacto positivo no mundo” (Nunes, 2020). Tivemos oportunidade de clarear alguns conceitos e discutir o tema do propósito de marca a partir da seguinte provocação: seria o propósito uma “moda” passageira ou uma necessidade das organizações?

Ficou muito clara na nossa conversa a correlação entre o propósito e o advento de uma nova geração que não se contenta mais em “conseguir emprego”. Os millenials (e com ainda mais força a novíssima geração Z) buscam um sentido no trabalho, fazem escolhas motivadas por valores e são clientes mais críticos e conscientes. Nesse sentido, organizações que se orientam somente pelo lucro têm muita dificuldade em estabelecer conexões verdadeiras com esses novos consumidores informados e engajados, que premiam marcas orientadas por valores e que buscam fazer alguma diferença no mundo e nas comunidades em que atuam.

Uma dessas marcas é a Patagonia. Estabelecida em 1973 na Califórnia, a marca de roupas para esportes ao ar livre destina 1% da sua renda anual a grupos de defesa do meio ambiente, promove campanhas para ajudar os clientes a conservarem suas roupas e seus equipamentos por mais tempo e a comprar roupas usadas da marca, ampliando sua vida útil e reduzindo o descarte. Sua última iniciativa foi uma ação contra o governo Donald Trump em um caso de extinção de áreas de preservação nos Estados Unidos. Porém, em muitos casos, é preciso “virar a chave”, como diz Daniela. Para isso, o papel da liderança é fundamental, pois a construção de uma nova cultura baseada em valores é um processo que não termina quando o consultor sai da empresa e somente se consolida com tempo. E o alerta vermelho está em um estudo da PWC de 2016, que revela que 79% dos líderes acredita que o propósito é essencial para o sucesso dos negócios, mas somente 34% utiliza o propósito como guia para as suas decisões. Me pergunto quantos desses 66% restantes são baby boomers ou da geração X que ainda não se deram conta que o mundo, felizmente, está mudando.

No nosso papo, ficou claro que a base do propósito é a escuta. Ouvir as pessoas, compreender os significados atribuídos a cada atividade e “clarear” os valores, construindo uma base compartilhada de princípios que servirão ao mesmo tempo como bússola e modelo de conduta, é o desafio de quem trabalha o propósito nas organizações. Ter um propósito definido simplifica a tomada de decisão, mas não significa que as decisões serão mais fáceis. Afinal, muitas vezes é preciso abrir mão do lucro fácil ou imediato em nome do que se acredita, pois propósito e reputação são dois elementos que costumam caminhar de mãos dadas. Porém isso não significa que o propósito irá eliminar o lucro, muito pelo contrário: Estudos recentes demonstram uma correlação entre o propósito e o resultado financeiro das marcas, na forma de profissionais mais produtivos e felizes, redução do turnover, clientes leais e mais dispostos a perdoar a marca por eventuais falhas. Ou seja, para quem quer trabalhar com a nova geração de consumidores, propósito de marca é sim uma necessidade e não somente uma moda passageira ou a “palavra de marketing do ano”.

Fiquei muito feliz com o resultado da nossa conversa e com uma pontinha de inveja da Dani, que afinal, possui um propósito para lá de bom: trazer mais felicidade para o ambiente das marcas. E não é disso que estamos precisando?