15 de junho de 2020

As marcas e o novo ativismo digital

Na última segunda-feira (08 de junho) conversamos, eu e minha amiga Tânia Almeida, sobre o novo ativismo digital que invadiu as redes sociais no projeto Papo que Marca (o link para a live está aqui). Procuramos traçar um rápido percurso desde as origens do ativismo antimarcas e entender as consequências do ativismo digital na reputação das organizações, com especial interesse no fenômeno Sleeping Giants Brasil e na sua estratégia de denúncia de marcas que patrocinam (de forma ativa ou inadvertidamente) sites propagadores de fake news. Foi um papo bastante rico e que me trouxe muitas reflexões, as quais trago aqui em uma tentativa de síntese.

A primeira é que as marcas não podem se isolar do mundo e dos problemas das comunidades que as cercam, sejam esses ambientais, sociais ou políticos, até porque muitas vezes elas são parte importante do problema (e das soluções). Isso não significa um engajamento no sentido político-partidário (o que, como temos visto recentemente, é no mínimo temerário) mas político no sentido mais amplo do termo, ou seja, da tomada de posição nos assuntos que impactam as suas comunidades. É cobrado das marcas um posicionamento claro sobre temas como proteção ambiental, racismo, direitos LGBTQ+ e feminismo, só para citar algumas das pautas mais atuais. Em muitos casos, a simples omissão da marca sobre esses assuntos pode transmitir uma mensagem de indiferença. Por outro lado, ações bem planejadas, desde que construídas de forma consistente e sincera, podem fortalecer a imagem da marca no longo prazo.

A segunda reflexão, relacionada à primeira, é a constatação do protagonismo dos consumidores. O tempo da comunicação unidirecional das marcas com os seus públicos acabou. As marcas que melhor assimilarem de forma orgânica este processo, sendo flexíveis a ponto de reagir com rapidez às demandas dos seus consumidores, serão aquelas com melhores chances de permanência e sucesso. O consumidor/cliente é o protagonista que ajuda a construir os discursos da marca e que, ao ocupar as redes sociais (incluindo os próprios canais digitais das marcas) constrói narrativas que muitas vezes depõem contra as próprias marcas que disponibilizam estes espaços. É necessário, segundo minha interlocutora, pensar em uma “ética do relacionamento” onde as marcas estão dispostas a estabelecer um diálogo com seus clientes, utilizando argumentos sólidos e defendendo-se de eventuais ataques de forma madura, ao invés de utilizar as mídias digitais como simples canais de exposição e venda de produtos/serviços. Nesse contexto, é preciso entender que: a) o protagonismo digital do consumidor/cliente é legítimo e faz parte da mecânica das redes sociais, não existindo caminho de volta; e b) a marca que souber interagir de forma honesta e sincera com esses novos “ativistas digitais” e reagir rapidamente (corrigindo suas falhas de forma genuína ao invés de fazer meras “maquiagens”) será aquela que terá melhores condições de transformar eventuais detratores em embaixadores. A campanha da Skol de 2017 é um exemplo de mudança de postura que foi bem aceita e contribuiu para um reposicionamento positivo da marca.

A terceira reflexão extraída desta conversa é de que a responsabilidade social não é uma “casca de ovo”, como bem mencionado pela Tânia: mas sim um valor que é intrínseco à marca e deve atravessar todas as suas atividades. As marcas precisam ter clareza dos seus valores e incorporá-los ao seu dia a dia (no trato com funcionários, fornecedores e comunidade), traduzindo-os nas suas ações de comunicação, ao invés de simplesmente levantar bandeiras de ocasião. Marcas como Puket parecem ter aprendido esta lição e desenvolveram ações criativas, úteis e totalmente alinhadas com a sua história e o seu negócio.

Por último, vale reforçar o que deveria ser óbvio, mas não é: o papel essencial do líder na condução da iniciativas que constroem e promovem a marca. Sobre este tema, sugiro a leitura do livro Incrivelmente Simples, do ex Diretor Criativo da Apple Ken Segall (segue aqui o link da Amazon). A partir da sua experiência de trabalho na Apple e de diversos encontros com Steve Jobs, o autor apresenta a filosofia que norteou o ressurgimento da marca após o retorno de Steve em 1997 e reforça o papel fundamental do líder que, ao comunicar de forma clara os seus valores, conquista a confiança das pessoas, produzindo o ambiente necessário ao crescimento sustentável.

Acima de tudo, vale ressaltar a palavra que apareceu em diferentes momentos da nossa conversa: honestidade. Honestidade de falar e fazer a coisa certa, com planejamento, clareza e propósito. E acima de tudo, honestidade em reconhecer os erros, comunicar as medidas de correção e seguir em frente. Talvez o verdadeiro sentido de “humanizar” as marcas seja exatamente esse: ao assumir que possui falhas e buscar melhorar de forma genuína, a marca se comporta, em última instância, como cada um de nós. E em troca, nós valorizamos e recompensamos este esforço.

Em tempo: recebi ao final da live um link de uma marca de moda lançada em plena pandemia do coronavírus com o objetivo de, pasmem, espalhar o “vírus da felicidade”. A iniciativa, feita por uma conhecida modelo e atriz, sofreu (por motivos que para mim parecem óbvios) um ataque quase unânime nas redes sociais… aja branding e RP para dar conta de tanto despropósito!